terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Eu, eu mesmo e... Ninguém


Insistentemente, perduro sentindo a solidão existencial a habitar cada glândula sanguínea que percorre o meu sistema vascular banhando milímetro por milímetro da minha massa corpórea. Algo como um fungo a recobrir toda a capa superior outrora crocante do pão francês esquecido na tigela de louça pintada não sei há quantas gerações passadas.
Quem é essa que persiste em “co-ser-me”?
De fato, tal sensação faz-me fixar raízes em minha inconsciente e incoerente adolescência. Sim. Um misto de “inco’s” que apenas trazem à baila inconsistência de um ser que não se consolidou. Nunca pôde escrever sua existência com um ‘ese’ maiúsculo: Ser. Essa famigerada solidão existencial - em cuja literatura oitocentista, e mui fortemente no oitocentismo inglês, já tanto se tratou e retratou - jorrou em minha adolescência como o sangue de uma criança inocente morta com um golpe de foice em sua aorta jugular para sagrar um sacrifício humano a alguma divindade nada divina. Por mais que houvesse mudanças, pessoas, música, silêncio, luz, escuridão, brilho, opacidade... Tudo se resumia a uma única sensação: vazio. De todo o tempo em que estive co-habitando este corpo junto à Solidão Existencial, lembro-me torridamente das “crises” que vivi aos 15, aos 18 e aos 19 anos. Nada me fazia sentir que haveria um sol luzente e grandioso por detrás daquelas nuvens trovejantes que, na verdade, eram apenas eu mesmo.
Essa ligação com a adolescência não me causa plena estranheza, mas também não me é sutil. Não sei o porquê, mas ela parece preferir aqueles como menos de 21 anos. Quando os sintomas da solidão existencial se manifestam em alguém cujo adjetivo literário mais ajustado é “Balzaquiano”, chama-se depressão e não de solidão ou soledade. Não que os adolescentes não estejam sensíveis à depressão, mas nem toda sensação de solidão, tristeza profunda desamparo e desespero velado é depressão. Pode ser apenas, solidão - autosolidão! E dada à recorrência, vejamo-la como uma enfermidade do ser – e não do Ser.
Lembro-me de umas férias que tive a cerca de dois anos atrás. Mamãe gozava das dela também naquele mês, porém minha irmã caçula seguia em aulas. Ambas faziam barulho. Brigavam, brincavam, gargalhavam. Tudo me era indiferente. Não me atinha a nada. Minha atenção, por vezes, desapercebia-se delas. Olhava, mas não via. Percebia, mas não sentia. E nem queria. Dados momentos, a solidão existencial consiste em um autismo velado e construído por nós mesmos a fim de nos pormos distanciados do que não queremos perto de nós, porém fisicamente não conseguimos repelir. Assim, estamos sem estar naquele ambiente físico que desprezamos. A mente é a maior das criações – #Inceptionfeelings.  
A mente detém o poder de manter o corpo no chão e os pensamentos no mundo! Eu posso abrir a varanda e enxergar a Place De La Concorde, a Floresta Negra, a Baía de Guanabara, a Praça de Sãò Pedro ou o Vale d'Ouro. Os olhos vêem aquilo que nós os mandamos ver. Olhar é somente olhar. Podemos ver o que temos dentro de nós mesmo olhando para fora de nós. Quando não se pode falar, fez-se silêncio.  Quando sua voz é o silêncio, a sua solidão já é sua inquilina permanente. Eu falo em silêncio. Meu grito ecoa no vácuo e meu coração já não chora mais, sangra sonhos esquartejados pelas convenções limitadoras do mundo contemporâneo.
O que ou quem nos impôs que a sanidade é saudável e a loucura é patológica? E quem definiu a loucura e a sanidade? Se “Ser são” é ser mais um bailarino no espetáculo da alienação do pensamento, eu prefiro trocar a imagem sem essência criada pelas palavras e viver a própria essência das coisas. Palavra e existência se diferem, como defende Nietzsche, por ser a palavra uma criação do homem para manipular o existente a sua maneira, privando das palavras - pois só assim seu poder sobre ela seria possível - a verdadeira essência da existência. Um lápis só é um lápis quando não está escrito, mas sim quando escreve. Eu quero escrever e não ser o já escrito.
Não estou certo quanto a clareza do que estou escrevendo aqui. Coerente? Plausível? Minha mente está fatigada pela existência em terreno infértil e bélico. Minha respiração está pesada. Uma simples mudança na temperatura e eis que o meu pobre peito asmático já sufoca em seu esforço por ar. Eis uma ironia. Enquanto esforço-me para que a vida - a vida enquanto palavra fruto do homem e sua definição igualmente construída pelo homem – cesse, meu peito luta vorazmente por manter-me vivo, mesmo que isso lhe custe um esforço mortal e, metaforicamente, asfixiante.  
 Quem realmente vive a plenitude da vida, a vida existencial, Holly ou Paul? Quem sabe algum dia nos chegue uma resposta do Capotte.
Na vastidão vã da solidão empanturrada de irracionais razões de existir, segue-se um corpo duplamente habitado. Imerso em si e em seu nada – um nada ora niilista ora meramente ‘nadista’. Asfixiante, asfixiando, asfixiado segue. No exercício da pseudo-existência nas convenções sociais devotadas às horas que antecedem o jantar familiar descaracterizado e hipócrita do século XXI, têm-se mais um passo. São múltiplas sucessões nada heráldicas, nada nobilitarias.
Cansei-me deste século, mas ainda não consegui uma forma de regressar permanentemente aos tempos de atrás. Uma forma de me prender em algum lugar do passado... Seria lá menos solitário?
Salut!

6 comentários:

E Deus Criou... disse...

Chérie,

Gostei deveras do seu texto. E em certas partes me identifiquei muito. Parecia que era eu quem estava escrevendo (não com esse vocabulário arrasante, mas enfim né).

Acho que a solução não é procurar outros tempos para saber onde se adequar (até porque isso, até hoje, ainda é impossível). Que tal procurarmos não tempos, mas pessoas para que possamos nos livrar dessa solidão? Parece algo meio lógico mas ao mesmo tempo não é. Quer dizer, viajei agora.

Então é isso.

Bejos

By Nina Quincampoix (pois é, essa sou eu)

E Deus Criou... disse...

Solidão, uma velha companheira, que nos deixa pensar um pouco em nós mesmos. Quando estamos solitários, queremos viajar no tempo, e fazer dele o nosso aliado para vida.
Com um pouco de solidão, damos adeus a hipocrisia que nos cerca em uma vida moderna, da qual tentamos nos adaptar ao nosso modo.


Se fechares os olhos, queres ouvir apenas o silêncio da sua alma, conversas contigo, como se fosse um velho amigo que te dá um forte abraço. Quando recolhemos a solidão, esperamos nos confrontar, brigar por nossa vida, para que possamos encontrar a tranquilidade voraz, que grita por nossa atenção.


Nada pode falar mais alto, que o silêncio do seu espírito, ele às vezes precisa de você. Quando a mente está confusa, ela merece a solidão, porque lhe mostrará o caminho a ser seguido. Talvez, arrisco-me a dizer, que a solidão é uma companheira fiel, ela nunca nos abandona.


Lembre-se das palavras de Gustave Flaubert,que dizia que por mais que a alma lide, não rompe a sua solidão, e caminha com ela, como formiga num deserto perdido.



Congratulações da Lady Grey.

Eduardo Henriques disse...

Conconrdo imensamente com a Lady Gray!!!

Olhar para dentro, falar para si, abraçar-se como um auto-amigo!

E muito veio a calhar a citação do mr. Flaubert!!!

E Deus Criou... disse...

Nina,

De fato, quando estou com pessoas que amo e me fazem sentir amado, sinto-me como alinhado com todas as peças que formam a minha figura sobre o tabuleiro. Pessoas como os Ob-Secados!

Thanks for everthing!!!

=*

Cecí disse...
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Bel Shamá disse...

Como é terrível a sensação de não ter sorrido, chorado, vivido o tempo que não volta mais...